Resenha- Dom Casmurro
(Esse
post tinha sido feito para o extinto site Parada Literária. Portanto, algumas resenhas eu transferi de lá).
A obra Dom Casmurro foi escrita por um dos maiores escritores da literatura brasileira Machado de Assis e publicado no ano de 1899. Com a vinda do Realismo- introduzido por Machado em Memórias Póstumas de Brás Cubas-, uma visão sobre a sociedade e o "verdadeiro romantismo" surge. O tema mais polêmico na época e um dos mais abordados, o adultério.
Não sendo diferente isso em Dom
Casmurro, porém, com um toque diferente. Machado elaborou o livro de forma
complexa, entretanto apaixonante, com personagens que se diferem de livros
românticos, como Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco.
Com uma narrativa misteriosa e empolgante, uma questão mantém-se ainda uma
incógnita após mais de cem anos: Capitu traiu Bentinho, afinal?
Os
Personagens e suas personalidades
Quem está acostumado com uma leitura
mais suave, aquelas que se dividem entre o bem e o mal (assim como as obras de
William Shakespeare) e pega uma leitura como Dom Casmurro, provavelmente verá o
espelho da própria sociedade em seus personagens.
Sendo um livro que a estória se passa
no final do século XIX, certos valores são diferentes de atualmente. Um dos
exemplos que Machado mostra, é a insegurança do homem quanto à sua honra e o
comportamento da mulher- que o mais correto na época era ser submissa.
Bentinho é esse homem. Mesmo a
princípio ser um garoto, ele é composto de várias inseguranças: indecisão, a
falta da voz ativa- ou seja, seguir a opinião alheia, muitas vezes-, paranoia,
a preocupação da imagem que sua família e a sociedade têm dele. Com a amizade
de Capitu, fora sendo uma grande admiração, isso piora.
Aos quinze anos de idade, Capitolina
passa uma energia de mulher segura e decidida, que não mede esforços para
conseguir o que quer, mesmo que seja com seu dom de manipulação. Isso mesmo.
Capitu é uma bela moça manipuladora emocional.
Expus a Capitu a idéia de José Dias.
Ouviu-me atentamente. e acabou triste.
--Você indo, disse ela, esquece-me
inteiramente.
--Nunca!
--Esquece. A Europa dizem que é tão
bonita, e a Itália principalmente. Não é de lá que vêm as cantoras? Você
esquece-me, Bentinho. E não haverá outro meio? D. Glória está morta para que
você saia do seminário.
--Sim, mas julga-se presa pela
promessa.
Capitu não achava outra idéia, nem
acabava de adotar esta. De caminho, pediu-me que, se acaso fosse a Roma,
jurasse que no fim de seis meses estaria de volta.
--Juro.
--Por Deus?
--Por Deus, por tudo. Juro que no fim
de seis meses estarei de volta.
Quando li esta cena, imaginei Capitu
com lágrimas nos olhos, aquela cena teatral toda, quase desmaiando. Não,
acalme-se. Eu não odeio Capitu, mas simplesmente não pude evitar que essa era
parte de minha visão. Nada negativo, sinceramente. Mesmo não ter a
"amado" como Bentinho, eu concordo com ele que é algo exótico, um diferencial.
Assim como diz aquela canção de Zélia Duncan, Capitu.
De um lado você vem com seu jeitinho
Hábil, hábil, hábil... E pronto!
Me conquista com seu dom
De outro esse seu site petulante
WWW ponto poderosa ponto com
É esse o seu modo de ser ambíguo
Sábio, sábio
E todo encanto, canto, canto
Raposa e sereia da terra e do mar
Na tela e no ar
Você é virtualmente amada amante
Você real é ainda mais tocante
Não há quem não se encante
Um método de agir que é tão astuto
Com jeitinho alcança tudo, tudo, tudo
É só se entregar, é só te seguir, é capitular
Hábil, hábil, hábil... E pronto!
Me conquista com seu dom
De outro esse seu site petulante
WWW ponto poderosa ponto com
É esse o seu modo de ser ambíguo
Sábio, sábio
E todo encanto, canto, canto
Raposa e sereia da terra e do mar
Na tela e no ar
Você é virtualmente amada amante
Você real é ainda mais tocante
Não há quem não se encante
Um método de agir que é tão astuto
Com jeitinho alcança tudo, tudo, tudo
É só se entregar, é só te seguir, é capitular
Enfim, Capitu é, praticamente o
oposto de Bentinho. Tem seus defeitos e não tem medo de mostrá-los; age de
maneira diferente de todas as mulheres da época e não tem medo do que outros
irão pensar. Hoje acredito que não é mais assim, mas para uma mulher do final
do século XIX, tão segura de si assim, poderia ser pior. Poderia ser dona de
seu próprio nariz! Ela percebia a insegurança de Bentinho e usava a seu
favor ( e cá entre nós, mulher sabe quando um homem está inseguro).
Sendo uma mulher assim,
livre-leve-e-solta, foi com esses encantos que fez Betinho se apaixonar pela
tal moça. Queria casar, ter filhos, ter uma "casinha de sapê", com
tudo incluso. Porém o sonho vem a se tornar um pesadelo: mamãe Glória queria
Bentinho padre, queria que ele fosse para o seminário e ser devoto à Deus.
José Dias para mim era aquela pessoa
que se adapta à qualquer opinião, desde que ele visse vantagem nisso. Grudava
em cada pessoa que ele pudesse ver algum benefício- assim como enganar o pai de
Bentinho que entendia muito bem de medicina, sendo um pseudo-intelectual na
área. Não é aquele tipo ruim, assim como a prima Justina e também não muito
ofuscado, como o mano Cosme. Um personagem que enrolou, enrolou, enrolou e no final
das contas, Bentinho fez o trabalho todo de não entrar no seminário.
Prima Justina é uma pessoa totalmente
pessimista e que vê crítica em tudo e em todos. Suas palavras sem demonstram
tem razão, porém apenas encontram sempre algo que possam deixar sua opinião.
Vivem e morrem assim. E como as palavras dessa mulher atrapalhou a tentativa de
saída de Bentinho do seminário!
A família de Bentinho é como a
própria sociedade, ou terceiros. Bentinho tem receio sobre o que eles podem
pensar como não ser padre, a suposta traição de Capitu e a semelhança entre
Ezequiel e Escobar.
Escobar
Pense em um homem de grandes
qualidades, seguro de si, inteligente e um grande amigo em que poderia contar a
todos os momentos. Essa é basicamente a visão de Bentinho sobre Escobar. Assim
como tinha orgulho de amar- e ser correspondido- por uma mulher tão diferente e
rara como Capitu, era assim com a amizade de Escobar.
Por um momento, após um tempo ter
terminado a leitura do livro, pensei se haveria uma possibilidade de que Bentinho
tivesse alguma inveja de Escobar. Ora, o amigo tinha todas as qualidades que
Bentinho supostamente gostaria de ter. E afinal de contas, Escobar e Capitu, de
certa forma, fariam um belo par, apenas por compartilhar valores que Bentinho
estaria longe de ter.
Ele nunca deixou claro, ou fingiu não
ter, mas por que por falta de tantas provas concretas Escobar se envolveria com
Capitu? Bentinho escreve em um dos primeiros capítulos que Capitu não gostava
nem um pouco de Escobar e somente quando a pequena amadurece que ela cria um
laço de amizade.
"Embargos
do Terceiro"
Capitu e Bentinho enfim amadurecem.
Capitu perde um pouco daquela essência de ave-livre e aventureira. Após o
casamento e principalmente a vinda do filho. Porém ainda se mantém sua segurança
e havia chegado o momento em que Bentinho- agora, doutor Bento Santiago- se
tornasse mais maduro, afinal já era um homem e pai de família.
Pois bem, Bento não só não consegue
criar essa segurança, a mesma que sua esposa tem ou maior que ela, como também se
torna uma pessoa neurótica e seu ciúme cria um tamanho inimaginável. Algumas
roupas de Capitu se tornam vulgares a ele, o olhar distante da esposa diz mil
coisas em sua própria mente e o menino Ezequiel...
A tal aproximação de Capitu a
Escobar- algo que Bento queria há muito tempo, uma amizade de duas pessoas que
ele mais amava- cria uma desconfiança descomunal em Bento, não apenas alguns
comportamentos de Capitu. Porém, não era exatamente o que começa o clímax da
estória. E tudo começou apenas pelo choro e olhar de Capitu sobre o corpo de
seu "amante"...
Cara
de quem?
Depois de tanto tentarem ter um
filho, finalmente Capitu dá a luz a um menino. Ouvi dizer que Bento talvez
fosse estéril, porém o autor não descreve isso no livro. Há vários casos que o
casal tem dificuldade de ter uma criança. "Um menino robusto" nasce e
a preocupação atual de Bento cessa. Até vir outra...
Dá-se o nome de Ezequiel, um
personagem bíblico. Bento percebe que quando cresce Ezequiel consegue imitar
perfeitamente qualquer pessoa, principalmente Escobar, sem esforço algum. O que
não sai do pensamento é o fato de que embora os pensamentos de Bento quanto ao
deslize de Capitu não sejam muito claros, encontra muita semelhança
de Ezequiel a Escobar. Sendo um livro, torna-se mais complexo.
E
se tivesse sido com Saninha?
Em "As Mãos de Saninha",
Bento fala sobre sua atração sexual por sua "cunhada". Uma atração de
um ou dois dias, descartando a imagem da moça- que em nada lembra Capitu-
depois de cair a ficha de que se tratava da mulher de seu melhor amigo. Mas por
um pensamento, e se Saninha não fosse esposa de Escobar? Ou então, e se Bento
não tivesse tido esse momento de sanidade e seguido em frente sem se importar
com seu também estado civil?
Embora que Bento tenha deixado claro
que Saninha não demonstrou interesse, mas poderia ser uma traição? Talvez
Capitu fosse mais inocente.
O
Interior de Bento Santiago
Bentinho é um garoto encantador,
mesmo cheio de inseguranças, pois demonstrava amor às pessoas de sua família e
seus amigos e respeito a outros. Era um garoto sonhador, romântico e um
cavalheiro.
Com um tempo, antes mesmo de sua
paranoia- ou não- sobre a traição de Capitu, tornou-se um homem mais frio e de
demonstrações de afeto raras. O chocante de toda estória não é a sua acusação sobre
Capitu, mas sim como ele tratou a morte de três pessoas muito importantes em
sua vida. "Sim, morreu", é como comenta a morte de seu primeiro e
único amor.
Sem se importar de seu estado em
outro país, ou mesmo de seu filho, que tenta uma reaproximação, sem a mínima
ideia do que acontecera. Com uma mistura de sentimentos negativos que criou ao
longo dos anos, eis que surge o tal apelido de Dom Casmurro.
Conclusão
Talvez você, leitor, não concorde com
minhas conclusões finais (ou talvez com o texto todo), porém não encontrei nada
que pudesse condenar Capitu. A visão de Bentinho não passa de achismo.
O olhar de Capitu sobre o caixão e no
horizonte do mar, a aparência de Ezequiel, a mudança de comportamento de sua
esposa- para mim, amadurecimento-, o modo de vestir dela... tudo é um simples
quebra-cabeça que ele fez questão de montar para no fim tirar sua conclusão
precipitada. Fora o fato de que Capitu não teve chance alguma de se
defender- mostra claramente que ela insistiu quando Bento afirmou que Ezequiel
não era seu filho. Já ele, fugiu.
O narrador fala também sobre o fato
de sofrer perda de memória. Ele não se lembra de algumas circunstâncias.
Será que ele realmente não se lembra ou simplesmente porque ele não aceita nada
além de sua verdade e apenas se lembra do que lhe convém? Se desse para resumir
toda a loucura de Bento, seria um muro: nunca entra, apenas sai quando ele
deixa. As opiniões e pontos de vista não importam; nada importa além de seu
pensamento e suas palavras. "Capitu traiu e pronto".
Talvez toda essa segurança da mulher,
ou uma mulher ser segura na época e não demonstrar ser totalmente dependente do
marido fosse algo que pudesse ser julgado que ela teria nariz para fazer o que
quisesse.
Juntando isso à suposta inveja que
tinha de Escobar, suas inseguranças, seu comportamento possessivo e ciumento e
sua imaginação fértil, desse esse tal resultado. Apenas pela semelhança entre
Ezequiel e Escobar não é o suficiente e acredito que se naquela época houvesse
exame de DNA, ainda sim Bento estaria com a pulga atrás da orelha.
Com o resultado de tudo isso, Bento
acaba sozinho. Sem seu melhor amigo, sem seu filho, que ainda nutria uma grande
admiração por seu pai e seu eteno romance, que mesmo com os defeitos e
acusações feitas por seu marido, ainda sentia o mesmo que há vinte anos.
E com uma letra bem pequena, lá estava
escrito no seu epitáfio: Tentou ser, não conseguiu; tentou ter, não possuiu;
tentou continuar, não prosseguiu; e nessa vida de expectativas frustradas
tentou até amar… Pois bem, não conseguiu, e aqui está.
E para você, Capitu traiu
Bentinho, afinal de contas?
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