Casa de Bonecas e o feminismo - Resenha
Atenção: Essa resenha contém spoilers.
Confesso que subestimei esse livro. Vi-o fino e com um título que (até então), para mim, não tinha nenhum sentido com a sinopse - aquelas sinopses bem simples, não necessariamente um spoiler. Confesso também que não só julgo os livros pela capa, como também julgo pelo seu conteúdo a partir da sinopse que eu leio. Tenho diversos livros ainda não lidos em minha estante que, porventura, terei alguma vontade de desová-los. Decidi ir além da sinopse e ir direto ao spoiler; queria saber o que eu iria ler: era sobre bonecas mesmo ou tem algo inconsciente que eu precisaria descobrir. Eu descobri, da forma mais inocente, como o livro fala muito sobre o autor e como há outras possibilidades de escrever sobre a sociedade.
O Livro
Casa de Bonecas (titulado originalmente em norueguês como Et Dukkehjem) é uma peça escrita em 1879, por Henrik Ibsen. O dramaturgo poderia passar pela história apenas como um arcaico escritor regional que seria relembrado pelos noruegueses e muito pouco conhecido em outras culturas, a não ser pelos estudiosos de Literatura e História. No entanto, Ibsen fez mais do que isso: ele causou uma tempestade social com suas publicações e Casa de Bonecas foi uma dessas peças. A história passa-se em torno de cinco personagens (onze, se contarmos os secundários que não possuem grande participação no objetivo da história):- Nora Helmer, uma dona de casa e mãe de três crianças, submissa ao marido e advogado Torvald Helmer;
- O médico Rank, um velho amigo da família, que possui uma afeição secreta por Nora;
- Senhora Linde, amiga de infância de Nora;
- Krogstad, colega de trabalho de Torvald e agiota, que é demitido pelo mesmo, após a descoberta de uma assinatura falsificada.
O livro foi baseado na história da escritora dinamarquesa Laura Petersen (posteriormente chamada de Laura Kieler, após seu casamento com seu professor Victor Kieler). A história é a mesma de Nora Helmer, no entanto, com um final diferente de Nora. Victor sofria de tuberculose e Laura, amiga de Ibsen, pediu-lhe que fosse indicada ao seu editor, assim poderia pagar suas dívidas. Ibsen recusou e Laura falsificou um cheque. Ao descobrir o caso, Victor mandou-a para um hospício e dois anos depois, Laura retornou ao marido e seus filhos, começando seu trabalho como escritora. O dramaturgo, embora casado, se interessava por Kieler e a incentivava como escritora. Inclusive, apelidou-a de "cotovia", o mesmo tratamento de Torvald para com Nora.
Ibsen negou que o livro apóia alguma causa sufragista (ou feminista) por não querer fazer propaganda alguma de algum movimento revolucionário - embora ele fosse uma pessoa encantada com as revoluções sociais.
A importância de Nora Helmer
Nora é descrita (ou tratada) como uma mulher ingênua. Sua imagem perante ao marido é de uma criança dependente e inocente, no qual Torvald deveria proteger o tempo inteiro. É explícito que ambos estão felizes com essa posição de "brincar de bonecas". Nora tinha tudo o que uma mulher iria querer (!): uma casa aconchegante e filhos e um marido por quem viver e zelar. Não haveria mais pelo que viver a não ser essas simples coisas. Temos aqui, então, nada muito diferente de diversos livros realistas, assim como Dom Casmurro, Madame Bovary e O Primo Basílio. É um matrimônio comum do século XIX: uma mulher que acredita ser feliz e que não possui perspectiva de vida alguma, não porque não quer te-la, mas porque, simplesmente, não tem escolha. Nora esperava um milagre quando seu marido descobrisse seu erro - por afeição ao marido. O milagre seria que sua prova de amor fosse reconhecida e que ele enfrentasse tudo por ela, ou seja, um carinho recíproco. Mas o que prevalece aqui é honra e a imagem pública do casal. Para Torvald, uma pessoa que falsifica uma assinatura é capaz de tudo, inclusive passar o mal caráter aos filhos, e mentiria pelo resto de sua vida. A reação de Torvald não é diferente de suas palavras: após descobrir o fato, o marido amaldiçoa a esposa, negando que deixaria ela educar das crianças e renunciaria ao seu amor.Eis que isso importava, a honra. Não Nora, não os filhos, não a casa, mas a honra. Terminaria, assim, o casamento, mas ainda haveria o que resguardar: as aparências. Que diriam as pessoas se se separassem? Inclusive, que Torvald havia se casado com uma mulher sem escrúpulos, que estaria o enganando. Há quanto tempo ela o estaria enganando? Nora manteria-se na casa, mas como estranhos - lembre-se, essa foi a sugestão de Torvald. Implícita, mas seria assim. E eis que, a salvadora de Nora, sua amiga Linde, reconquista o amor de Krogstad (há muito tempo esquecido e trocado por conta de seus deveres com sua família: casar-se com um homem rico e trabalhar ao mesmo tempo, para que a mãe doente e seus irmãos pudessem sobreviver). A promissória havia sido devolvida: não estava tudo acabado então. De súbito, o amor de Torvald por Nora havia retornado em cinco minutos, após ter dito-lhe as mais duras palavras, mas era tarde demais. Nora estava deixando-o, deixando os filhos e a vida que ela acreditou um dia ser era feliz. Como ele mesmo havia dito a ela, ela não deveria educar os filhos e ele não a amava mais. Então, não haveria de continuar naquela casa, já que o marido poderia se encarregar da educação das crianças, pois ela não tinha postura alguma para isso e ambos não se amavam de verdade. Os pensamentos de Nora se voltam para como, a vida inteira, havia sido apenas uma simples boneca, onde vestiam-na, falavam como ela deveria se comportar, pensar - ou não pensar e ficar quieta. Passou a viver do pai ao marido.
Eu digo qual seria o milagre de Nora: é que o homem a respeitasse
e a honrasse da mesma forma que a mulher o faz. Era e ainda é esperado que a
mulher aguarde o homem, lhe seja fiel e o amasse incondicionalmente. Aliás, é
muito difícil separar a imagem de mulher e mãe. A mãe ama incondicionalmente,
perdoa, é paciente e compreensível. A mulher deve ser, igualmente ao marido ou
companheiro, uma mãe, pois o modelo masculino é que o homem é humano errante,
que trai, comete deslizes, mas retorna para casa, seu porto seguro, onde a
mulher está de braços abertos. Isso é socialmente normal e aceito. Uma mulher
que comete deslizes, mesmo como no caso de Nora que, embora Ibsen dissesse que
não, mas, convenhamos, amava sim seu marido e sacrificou sua própria honra por
quem havia um imenso carinho. "Ele me dá uma casa, comida e roupas. Eu sou
grata e quero lhe salvar a vida". Não, ela não cometeu um erro ao querer
ser grata ao marido. Não é um erro querer ser grata; não é um erro querer. Mas
descobrir que não dá para amar alguém mais que a si própria é o que a fez cavar
sua ruína emocional.
É um final muito
alternativo do que aguardamos quando temos esse tipo de leitura em mãos,
porque, geralmente, culmina-se na morte da heroína, ou seja, o problema.
O problema é destruído, então, acaba-se a história. O marido continua sua vida,
de forma positiva ou negativa. De qualquer forma, a mulher é um ser que
necessita do lado racional do homem, pois, sozinha, não sabe o que faz e não
conhece nada sobre o mundo e não sabe o que fala. Tudo é relacionado ao seu
temperamento e descontrole emocional (vide a história da Histeria Feminina). Essa
peça me fez refletir muito na maneira que eu li outros livros realistas, até
então - me deu até uma forte vontade de mudar o contexto das minhas resenhas
passadas, mas não vou tocar nelas. A heroína - na verdade, considerada assim,
atualmente - é simplesmente eliminada, não somente, como disse anteriormente,
para eliminar um problema, mas para mostrar o legado de uma mulher que tem um
comportamento diferente do que é esperado, como deixasse uma lição para outras,
dizendo: "olhe o que essa mulher fez. Espero que você não seja assim
também". Era imaginado (e, pasmem! ainda é) que uma mulher que tem uma
postura própria, não indicada pelo homem, pode trair, ser sexualmente
promíscua, não aceitar o matrimônio, a religião, e a negação de ser mãe-mulher,
como é em O Primo Basílio e Madame Bovary. Entretanto, Nora não morre, apenas
ressuscita de suas expectativas e sai batendo a porta, para dar coragem à
outras mulheres a terem seus deveres consigo mesmas.
"Ela quer descobrir quem ela realmente é" |
Fontes: http://www.rutlandherald.com/articles/more-than-a-feminist-masterpiece-ibsens-a-dolls-house/
http://www.lpm.com.br/site/default.asp?TroncoID=805134&SecaoID=948848&SubsecaoID=0&Template=../livros/layout_autor.asp&AutorID=527448
https://norasworld.weebly.com/ibsens-inspiration.html
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