Resenha- De Madame Bovary ao Primo Basilio
(Esse
post tinha sido feito para o extinto site Parada Literária. Portanto, algumas resenhas eu transferi de lá).
Antes que possa começar a leitura desta resenha, farei um pedido que não costumo fazer a cada texto relacionado às leituras que fiz. Primeiramente, eu sugiro que a leitura dos dois livros que mencionarei nas próximas linhas tenha sido feita. Como é sempre desagradável a presença de spoiler, gostaria de não me sentir responsável sempre por cada revelação do livro e, portanto, algumas pessoas têm o costume de confundir resenha com resumo.
Madame Bovary e O Primo Basilio são duas
das leituras que fiz há pouco tempo, uma atrás da outra. São duas histórias que,
como sabem, tem um fundo muito parecidos e personagens mais ainda. As histórias publicadas com vinte anos de diferença (Madame Bovary em
1957 e O Primo Basílio em 1978), tendo uma maior influência sobre a
outra. Eça de Queiroz (1845-1900), a se inspirar na obra
de Gustave Flaubert (1821-1880) em outro lugar, mas com os
mesmos objetivos: a visão da sociedade pelo Realismo.
É curioso como conforme evolui a
visão das pessoas nada mais poderia espantar, ao mesmo tempo que os dois livros
podem ser comparados com a vida atual. Uma dessas coisas é a sexualidade
feminina, tão julgada no século XIX; tão julgada hoje como se estivéssemos
ainda no século XIX.
Eça
à lá Flaubert
Poderíamos dizer que, o que
impressiona nos textos são suas principais semelhanças, a ponto de pensar se
Eça era um aliado de Gustave ou apenas queria impressionar os portugueses com
uma obra parecida à sua, se ele tinha uma mentalidade tão aberta quanto seu
colega francês ou se aquele livro o deixou anestesiado, como alguns
leitores, ou seja, aquela sensação de "como eu gostaria de ter escrito
essa história...". É claro que julgar dessa forma tão precipitadamente é
errônea, todavia, pois as duas obras, mesmo tendo o mesmo objetivo, não são
totalmente a mesma coisa. A começar por suas personagens principais e seus
temperamentos.
Mesmo que os autores tivessem uma boa
intenção ao colocar no papel os comportamentos da sociedade, é bom pensar
também que eles mesmos viviam nela e poderiam muito bem estarem se censurando
ao mesmo tempo. Todos em uma sociedade têm defeitos ou cometem erros,
imperdoáveis ou não- de acordo com a moral de cada um. Um exemplo disso é a
escolha de uma personagem mulher para o papel de adúltera.
Pode-se interpretar também que,
independente de ser um homem ou uma mulher, as circunstâncias poderiam ser a
mesma, dependendo do espaço. Mas não. É uma incógnita sobre o que os autores
pensam de se o fosse o homem nessa situação. Será que ambos os
autores seriam também algum desses personagens? Seria um tanto
complicado alguém escrever sobre as pessoas à sua volta e seus defeitos e no
fim de tudo ser apenas um apontador de erros.
Luisa
e Emma
Emma
Bovary
Eis aqui um dos exemplos de
diferenças nas obras. Ambas cometem o mesmo erro e têm o trágico fim, porém
têm, também, finalidades diferentes, para tudo, inclusive. Emma Bovary é
uma moça que enxerga a vida como os livros românticos que lê. Tem a idealização
de um homem de grandes qualidades (segundo ela, bonito, rico, inteligente,
corajoso, etc. Rico é qualidade?) e de uma vida de acordo com sua postura de
dama. Para uma camponesa, é uma mulher com atributos- físicos, principalmente-
de uma aristocrata.
O problema é viver como se realmente
fosse uma, ou seja, tudo à sua volta que não fosse de seu nível era medíocre.
Sua vida é resumida em tédio e sofrimentos (desnecessários). A pobre moça
então logo se casa acreditando que Charles Bovary é o príncipe
de suas novelas que tanto esperava, o que acaba em um belo engano. Aliás, tudo
o que acontece consigo é um engano. Não se mudaria para Paris, seu marido é
entediante e não entende nada de romances, as pessoas à sua volta não sabem
como se vestirem adequadamente, além daquela cidade ser um palácio de tédio.
Ela vivia a procurar à sua volta quem
seria o infeliz de tanta infelicidade em sua vida, até que um belo e distinto
rapaz chamado Rodolphe compreende sua alma, pelo menos, por
alguns meses. Esse relacionamento deixa uma incógnita quanto ao amor de
Rodolphe à Emma. Claro que, o rapaz foge desesperado de seus braços duas vezes.
A princípio pode-se dizer que seus sentimentos à moça são verdadeiros, mas Emma
é uma mulher possessiva e obcecada, deixando Rodolphe sufocado com as pressões.
Fora que o narrador é onisciente, sendo que, ele pode não estar julgando os
comportamentos dos personagens como certo ou errado e sim, somente os
explicando. Rodolphe é um homem polido, mas é aquele sujeito que procura tirar
vantagem das coisas e pessoas depois contá-las por aí.
Outra investida da moça é no
rapaz Léon, bem mais novo do que ela. Emma é uma moça muito bonita,
não lhe faltando pretendentes mesmo casada, mas Léon é aquele garoto que ainda
está para se tornar um homem, portanto seus amores para ele podem parecer
eterno e a qualquer sinal de dificuldade, é motivo para desistência. Por esse
motivo, é um homem fácil de ser manipulado, já que é cheio de inseguranças,
assim como seu marido Charles.
Mesmo tendo um bom coração, Charles
não é um personagem que possa ser absolvido. É conformado e apaixonado, sendo
que, qualquer coisa que sua esposa diga ou faça, é para ele amém- afinal de
contas, Emma colocou até a própria moradia para penhorar. Se ela está mal
humorada (o que é constante) e infeliz, a culpa é dele mesmo. Para um homem
daquela época, poderiam chamar-lhe frouxo. Não saberia conduzir sua própria
família, mas o ruim desse personagem é a sua falta de opinião para qualquer
problema ou circunstância.
Emma tem uma personalidade forte,
sendo de espírito fraco. Ela consegue se enlouquecer e colocar tudo à baixo com
sua loucura. Não consegue enxergar a realidade e tudo o que acontece- ou não
acontece- é culpa de terceiros. É uma humana que desejava ser um passarinho
livre para voar por todos os lugares, mas se fosse um passarinho, se fecharia e
se enjoaria de voar sempre por aí. Fica, enfim, em um ciclo vicioso, que mesmo
que não tivesse se envenenado, ela teria se matado aos poucos.
Entretanto, a personalidade de Emma
é, também, como poderíamos dizer, de uma mulher muito à frente ao seu tempo. Ela
tem uma vida sexual (mesmo que adúltera) livre e, provavelmente, se não fosse
casada, assim seria. Não se importa com as más línguas. Tudo o que mais
importava era seu bem estar.
Luisa
Sobre a portuguesa não pode-se dizer
o mesmo. Bem, ela não tinha uma mente tão avançada como Emma. Era uma moça,
vista por outros olhos, como prendada, de instinto maternal e recatada. Assim
como Emma, Luisa era encantada por livros de romance. Tinha
também uma visão da vida um tanto cor-de-rosa, mas ao contrário de madame
Bovary, ela já encontrara seu príncipe encantado, seu marido Jorge.
Luisa tinha grande respeito por ele e era sim apaixonada. O grande problema da
moça é que era ingênua e carente. Acreditava em tudo o que lhe dissessem e, com
a viagem de Jorge, se encostava nas pessoas. Com Basílio por
perto, a afeição e a carência aumentava. Era possível ver um pouco de Rodolphe
em Basílio, dois verdadeiros dandys, entretanto, o primo não tinha
sentimentos mais profundos a não ser carnais e objetivos nada pueris.
Luisa parecia ser mais bondosa,
enquanto Emma tinha um mal caratismo dentro de si. A dependência de um homem ao
seu lado a deixava guiar mais por seus instintos do que tentar distinguir o que
era certo e o que era errado. Luisa às vezes se transformava e criava uma mente
maliciosa em querer que seus caprichos fossem satisfeitos, mas era a malícia
alheia que a vencia e todos os desejos de terceiros eram, na verdade,
satisfeitos por ela.
Ela, de tão ingênua, não conseguiria
distinguir um homem de caráter, que ficaria ao seu lado de um que apenas a vê
como um simples pedao de carne. A cada frase bonita de Basílio, uma ou outra
está coberta de possessão e desrespeito. Mas a pobrezinha não enxerga. Basílio
é aquela pessoa que talvez seria uma ótima companhia à Emma: é pedante,
orgulhoso, nada abaixo do luxo lhe é aceitável e nada nem ninguém podem
alcançá-lo.
Jorge é um personagem muito curioso.
Ao mesmo tempo que é um homem de confiança, polido, humilde e respeitador, trai
Luisa em sua viagem. Ele é aquele cara que trai-mas-mulher-não-pode-trair. O
deslize dos homens é aceitável, mas de sua mulher, nunca. Imagine! Sua mulher
tem que ser pura! Mas de uma coisa é certa: Luisa e Jorge se amavam, mesmo
entre seus deslizes, um acaba perdoando o outro.
O que Luisa tinha de camponesa e não
era, Emma era uma lady em meio ao campo de trigo. Não dá para
se dizer que, mesmo pulando a cerca, Luisa fosse esperta. Ela acredita no amor
de Basílio e é por ele que acaba perdendo a cabeça.
A
Sociedade de Queiroz e Flaubert
Há dois personagens que têm
temperamentos parecidos, Julião e o Sr. Homais.
Julião é um homem não muito instruído, mas que acredita que sabe mais que todos
e tem a resposta para tudo. Homais é um homem mais instruído que Julião, mas
que também acredita que pode resolver qualquer problema. Ambos são ignorantes e
têm uma mente fechada e atrasada para as coisas. Donos de um grande orgulho,
sempre quando procuram abrir a boca é para sair algo desagradável.
Julião tem vergonha de sua colocação
social e costuma esconder isso da maneira que fala. Faz críticas constantes aos
outros e procura sempre encontrar o que há de errado na sociedade e sempre tem
uma solução para esses erros- que parece vindo da Idade Média. Ele é um homem
careta no século XIX. Sim, ele é mais careta que as próprias pessoas desse
século. Um médico que não tem muitos anos de experiência e se comporta como
tal; uma pessoa que vê problemas e bagunça em tudo, mas que não se esforça para
mudar, apenas tem o prazer de reclamar para ganhar curtidas... Ops! Ganhar
admiradores.
Homais é um homem que também insiste
em criticar, mas que por si só é um hipócrita ambulante. Farmacêutico, exerce a
função sem licença, é manipulador e tem asco de pessoas pobres. Sendo ateu, é
contra a intolerância e pratica-a diariamente. Não tem respeito pela religião
alheia nem por Deus de cristãos, fazendo assim de Voltaire um
deus. Um homem que se diz não ter medo de nada, mas basta-lhe tirar o sangue
que desmaia. Sua amizade é um tanto desconfiável e tem interesses.
Um personagem que senti um tanto de
pena, a princípio, foi Juliana. É uma mulher que não tinha recursos
e nem nascera com sorte para nada, mesmo sendo esforçada no início de seus
trabalhos. Como não dá para se comparar aos tempos de hoje, era uma coitada, de
fato. Mas, para que tanto ódio por quem nunca lhe fizera nada de mal? É a mesma
coisa que pobre culpar uma criança por ter nascido rica. É a inveja e a
maldade. Ainda existe pessoas desse tipo, que procuram culpar outros por seus
sofrimentos. Um personagem que é, de certa forma, agradável é o Comandante
Acácio, que completamente diferente de Julião, tem a mente mais aberta para
as coisas e não costuma reclamar o tempo todo, entretanto, não consegue assumir
a relação com a própria empregada.
Leopoldina
"Pão-e-queijo", uma adúltera
experiente, é tão livre quanto Sra. Bovary. Tem uma vida sexual normal demais
para a época. Difícil seria dizer se ela influenciou Luisa para estar com
Basílio, mesmo que sem saber, pois Luisa pode ter usado também seu próprio lado
malicioso. Uma passagem da estória que não se pode deixar esquecer é a possível
bissexualidade de Leopoldina: "nunca- exclamou- nunca depois de
mulher, senti por um homem o que senti pela Joaninha!". Outra coisa
curiosa, pois, ela não era a pessoa mais correta, pois a atração pelo
mesmo sexo oposto é escrito como algo errado. Leopoldina, na estória, não tem ,
praticamente, qualidades. É quase descrita como uma mulher que nascera com o
destino traçado de ser uma cortesã e que todas suas atitudes eram motivo de
reprovação.
Conclusão
As duas obras não deixam dúvidas
sobre o comportamento humano, mesmo sendo aprovado hoje ou não. O que pode ser
interpretado apenas com uma simples observação dos autores, ao fim, pode também
ser interpretado como um mero moralismo. Ainda mais vindo do escritor Eça, que
já viveu uma vida libertina. O mais impressionante é que a mesma observação de
dois séculos atrás ainda é feita- sendo julgada ela certo ou não, isso
dependendo da opinião de cada um.
Como já foi dito, também não se pode
afirmar que a obra de Queiroz é apenas uma versão aportuguesada de Flaubert,
mas se for uma visão diferenciada, pode-se ver como a imagem da mulher era na
época. Muito sentimentalista, entediada e que, por não ter tanta liberdade de
pensamentos, entre outras coisas, ela procura apenas o amor eterno para
preencher o vazio que há nela. Mesmo com tantos erros cometidos, o homem era
perdoado- ou ainda é- por terceiros. A mulher é apenas um poema- não que seja
ruim-, mas que necessita continuar a ser pura e limpa- e que, infelizmente para
eles, não poderiam continuar virgem.
Inclusive, a imagem de Jorge ao
perdoar Luisa, poderia ser a própria imagem de Charles, que aos olhos de
Flaubert é descrito como um homem fraco. Entretanto, a traição de Jorge é quase
que obrigatória o perdão. Se fosse ao contrário, será que eles escreveriam
um livro criticando a traição masculina ou apenas a hipocrisia já é o
suficiente? Quem sabe.
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