Procura-se grandes heroínas
"Mas a verdade é que eu simplesmente nunca conheci
alguém que... bem, me atraia, embora parte de mim anseie por pernas
bambas, coração na boca, frio na barriga, noites em claro. Às vezes, me
pergunto se há algo de errado comigo. Talvez eu tenha passado muito tempo na
companhia dos meus heróis literários românticos e, consequentemente,
tenha ideais e expectativas elevados demais. Mas, na verdade, ninguém nunca me
fez sentir assim. [...]"
Há muitas e muitas pessoas cansadas de ouvir
falar em Crepúsculo e 50 Tons de Cinza. As más
críticas sobre os dois livros foram letais, mesmo sendo obras criadas para
públicos diferentes. Após tantas opiniões negativas sobre Crepúsculo e a
coragem de Stephenie Meyer ao modificar a fria e cruel personalidade dos vampiros
e a insegura Bella Swan, eis que E. L. James cria Cinquenta Tons de Cinza e
a outra Bella, Anastasia Steele. No
entanto, acho que já deu para entender que muita gente não gostou, não é? (Não
especificamente aquelas pessoas Maria-vai-com-as-outras, que nem leram ambos os
livros e criticou de qualquer maneira).
O meu objetivo seria um tanto mais amplo que
isso. Claro que, as duas personagens me inspiraram para escrever esse texto,
mas espero que seja uma reflexão literária que sirva para os personagens futuros,
principalmente, em literatura voltada para as mulheres. Talvez, esse texto
seja algo muito pessoal, que seria melhor ficar guardado em minha mente, sem
interferir o gosto alheio, mas pensei em compartilhar minhas ideias com quem
concorda comigo (ou não).
As
mocinhas de livros antigos
Aquelas jovens e lindas moças, inseguras, que
viviam em um castelo, à sombra do pai ou dos irmãos mais velhos, esperando que,
algum dia, seu cavaleiro fosse matar algum monstro ou salvá-la das garras de um
terrível dragão ou de um homem mau caráter. Ela não luta, não sai de casa, a
primeira palavra vem de seu homem. Soa familiar sobre a nossa adolescente
insegura? Sim.
Um conto de fadas ou algum livro da
Idade Média que tenha essa história pode se passar por comum, até porque o
estilo de vida dessa época era totalmente diferente de nosso tempo.
Uma coisa que é muito comum nos livros
voltados aos jovens é a insegurança da adolescência (inclusive, Harry Potter
teve dificuldades em chamar a bela Cho Chang para o baile, não é?
"Enfrentar dragões, Dementadores e Você Sabe Quem é moleza!").
Isso é muito clichê, seja em um livro de romance seja em um livro de ação e
aventura, porém não é algo ruim, pois enfrentamos- ou já enfrentamos- esse tipo
de circunstância. Não há como fugir. E é exatamente o que é, na maioria das
vezes, abordado no Crepúsculo. Até aí, tudo bem.
"Não sei. Deixe-me perguntar ao meu namorado Edward" |
O que realmente incomoda é
a maneira que Bella enxerga a vida. Ela é uma mocinha simples, sem muitos
atrativos, quieta e que tem uma vida pacata, ou seja, ela não sai com amigos,
não namora, não se diverte, mas ainda sonha com o príncipe encantado. E, por
alguma força maior de pensamento, ele aparece. lindo (?), sério, se veste bem,
de uma família sugadora de sangue de pobres
animaizinhos boa família, culto, etc, tudo o que uma garota
virgem e desengonçada quer.
Se tem uma coisa que eu também achei muito
estranha não foi somente ela ficar sentada esperando o prince charming,
mas o momento quando ela descobre que ele também gosta dela. Uma garota
comum, pularia de alegria ao saber que o mesmo garoto que ela tanto gosta,
gosta dela o também. E, não. Ela apenas fica mais e mais insegura quanto a
isso. É um tanto irônico, mas é muita insegurança para uma personagem só.
Agora, o ápice da personalidade de Bella, o
clímax: Tudo o que é decidido em sua vida ou o pai dela quem decide ou o
próprio namorado. Ela não possui postura ou senso de direção na vida. É como
uma alienação: "Eu tenho um namorado, então não preciso de mais nada em
minha vida". Como já foi dito, isso seria muito normal se fosse uma mulher
do século XIX (assim como a personagem Luisa de O
Primo Basílio, que vive dentro de casa lendo a coleção Sabrina e
sonha com um grande amor proibido). Entretanto, colocar todas as suas
frustrações de lado só por que se apaixonou, não dá para entender.
Ser mulher em um mundo repleto de
inseguranças por todos os lados é quase humilhante. Aliás, ser humano não é uma
tarefa fácil. Ninguém nasce seguro de si, esperando que tudo de ruim que
acontece conosco, os outros que irão segurar as pontas (nem seu namorado, é
isso aí). Livros são coisas que não é todo mundo de que lê, mas influencia de
qualquer maneira quem os lê. "Ah, mas relaxa, é só um livro". Eu adoro
a série Diários da Princesa, o enredo me encanta, assim como eu
também tive, e ainda tenho, amigas que gostavam de livros açucarados (por
exemplo, Nicholas Sparks).
Tudo bem, é apenas uma história, mas todas as
minhas amigas que leram e amavam Crepúsculo eram extremamente inseguras de si e
dependiam do namorado (ou nem mesmo possuíam um). Esperavam coisas da vida que
não existiam; possuíam expectativas de situações que nunca iriam acontecer. A
Bella é um modelo de uma real adolescente? Óbvio, mas se todas as garotas
soubessem que, tudo o que acontece nos filmes ficam nos filmes... Talvez
eu esteja generalizando ou sendo injusta, mas injusto mesmo é quem acredita que
é Alice e vive procurando pelo País das Maravilhas. Eu gostaria muito de
entender Bella, mas como uma personagem que não possuí qualidades alguma
consegue um cara perfeito em poucos minutos? É aquela velha história que
algumas mocinhas não querem admitir: "Eu não preciso ser perfeita, o homem
que vier a mim terá de me aceitar da maneira que eu sou. Mas, ele deverá ser
perfeito!".
Ah,
se algum dia eu amadurecesse...
Agora, pior do que uma adolescente que se
recusa a ter os pés no chão, é uma mulher que não aceita lutar contra suas
frustrações. Existem dois tipos de mulher que estão transitando da fase da
adolescência para a fase adulta: Aquelas que tentam mudar contra suas marcas
anteriores e aquelas que se mantém em sua zona de conforto. Anastasia, por que
você não muda?
"Ele me destrata e me humilha, mas eu não tenho mais ninguém" |
Ana é aquela moça que tem
dificuldades em lidar com homens, que ainda não lutou contra suas incertezas e,
de repente (adivinha), Christian "Príncipe" Grey aparece em sua vida.
Até que, diferente de Bella, ela não foi "obrigada" a escolher a
submissão- mas, aí, ela não pode escolher mais nada. Ana nunca conheceu um bom
homem de verdade, então ela aceita a imagem de homem viril que todas somos
obrigadas a engolir, senão, você está louca, querida: O cara lindo, musculoso,
rico, poderoso, enquanto você deve ser totalmente abaixo dele. Como isso se
chama para a sociedade? Amor. Vende-se essa imagem de que o homem perfeito só
existe se for assim e esquece-se do cara que está ao seu lado para te apoiar no
que vier. Não, Ana prefere o que está andando à sua frente.
"Ele me bate, me destrata, mas eu não tenho
mais ninguém"
O que eu acho muito curioso não é somente o
fato de que os homens detestaram e as mulheres amaram, mas o que
especificamente os homens odiaram nessa história: A mulher desejando o erótico
(Por que, afinal de contas, a mulher que lê esse tipo de coisa é uma v****).
Mas, eu não quero tratar do erótico desse livro. Não há nada de errado uma
mulher- ou um homem- apreciar esse tipo de leitura. O problema do livro nunca
será esse.
O Sr. Grey é aquele homem que te trata mal,
te humilha, te domina, te comanda e, quando você ameaça em ir embora, ele te
implora para ficar e jura que te ama. Ele não deixa você beber com suas amigas
nem mesmo usar um vestido curto. Ele acha ridículo mulher trabalhar e ainda
acha qualquer mulher não presta. "Mas por amor, né? Por que não mudar?".
Sinceramente, se um cara que faz uma mulher acreditar que ela não pode ser nada
sem ele e diminui sua auto estima até zerar é amor, o mundo foi dominado
por estranhas criaturas.
Anastasia também é típica mulher insegura
clichê, aquela que deseja mudar seu homem! "Ah, ele me humilha, diz que
todas as mulheres são interesseiras e vagabundas, mas ele disse uma vez que vai
mudar". Seria tão lindo se, desses casos de frustrações femininas, fosse
uma crítica, como um tapa na cara. (Claro que, não tem nada a ver com o sadomasoquismo.
Tantos casais que costumam fazer isso no mundo). Mas, se Ana fosse uma pessoa
real, qual grau de dificuldade ela teria para compreender que ela é uma mulher
descartável? De Ana, o mundo tem muito por aí.
Algumas personagens que eu costumo admirar
muito, infelizmente não pertencem à livro algum, mas são criadas por Hayao Miyazaki.
Não importa se é livro ou filme, mas a essência que cada personagem dele possui
é muito admirável. São mulheres ou jovenzinhas que têm inseguranças, mas, de
uma forma ou de outra, procuram lidar com seus medos ou angústias.
Então, se você for um futuro escritor, saiba
que não somente eu, mas muitas mulheres estão cansadas de se
encontrarem na condição de que devemos encontrar nosso príncipe encantado,
mesmo que ele seja um canalha e que não podemos ser independentes e bem
sucedidas, nem mesmo fortes em nosso mundo tão complicado. Chega de heroínas
que sentam e esperam a magia acontecer. Isso não existe, simplesmente.
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