Resenha - Laranja Mecânica

Atenção: Essa resenha contém spoilers.

Comprei um dos melhores livros que já li até hoje - Sim, eu tenho que falar antes, porque, talvez, eu não soubesse como começar o texto ou porque é verdade mesmo. Levei muito tempo para, finalmente, pegar esse livro. Sempre foi o meu "namoradinho" de prateleira, aqueles livros que você olha na estante da livraria e fala pra si mesmo (a) que vai ser a próxima leitura. Mas ele nunca saía da lista e virava uma ilusão. O único movimento que eu tive quanto à ele é que eu não assistiria o filme até ler o livro. 

  20º Festa do Livro da USP (que aconteceu do dia 28 de novembro até 1º de dezembro). Eu tive a sensação de que, quando vamos à esses lugares, onde mais de 200 editoras de livros estão ali para vender milhares de obras-primas, a gente se perde um pouco. Primeiro porque, embora você saiba o que você quer comprar e tenha uma lista de leituras futuras, você quer comprar outras coisas. Segundo: às vezes não temos dinheiro suficiente para todos os livros.
Ele foi comprado na

 Eu não me lembrei dele, novamente. Eu não sabia o que queria comprar, exatamente. A única coisa que eu tinha interesse em comprar - e que era muito caro, inclusive - era O Corcunda de Notre Dame, da editora Zahar.

 Por fim, lembrei do Laranja Mecânica, da editora Aleph. Foi o último livro de 2018 e o primeiro de 2019. Terminei a leitura no dia 1º, me sentindo um pouco assustada e impressionada.

Sinopse do livro e sua origem

 Laranja Mecânica conta a história de Alex, um rapaz de 15 anos que mora na Inglaterra, em um futuro distante. Junto de seus amigos (a quem chamam de druguis), caminham pelas noites do país, cometendo pequenos delitos e violência contra pessoas que encontram no caminho. Após uma  pequena briga com seu colega de grupo Tosko, Alex acaba sendo preso pela polícia local, onde tem sua vida mudada após um tratamento de condicionamento humano para infratores.

E é a partir daqui que começo os grandes spoilers do livro (caso alguém não tenha lido).

 Anthony Burgess se sentiu atraído pelo modo de como os adolescentes se portavam. Até o fim da II Guerra Mundial o adolescente não "existia". A rebeldia era um comportamento comum, mas não associado ao jovem. O jovem era considerado um adulto e uma extensão dos pais, tendo obrigações e deveres, assim como esperava-se que o adolescente viesse a seguir os mesmos passos dos pais na vida, que era o matrimonio e os filhos. Após a II Guerra Mundial, houve uma mudança no comportamento do jovem, que começou a ter opiniões próprias e ter interesse muito grande no entretenimento, como música e cinema. É a partir dessa época que o entretenimento também se interessa pelos adolescentes, com músicas e filmes voltados à eles. O comportamento do jovem - embora inofensivo para nós, atualmente - começa a ser uma preocupação aos pais. Começou a ser comum também o surgimento de jovens infratores, onde iniciou-se a conexão entre a rebeldia e o adolescência. Era muito comum também documentários educativos para a família que não sabia como agir com os adolescentes em casa.

Briga entre Mods e Rockers.

 Entre os considerados rebeldes, pequenos grupos e gangs começaram a surgir, como os Mods e os Rockers, rivais que se encontravam para pequenas brigas nas ruas. Surgiriam, também, as gírias. Burgess começou a se interessar pelo comportamento desses adolescentes e pelo modo de falar. Nascido em 1917, ele - provavelmente - teve uma juventude diferente. Após retomar as aulas de russo, que havia parado de estudar quando jovem, durante a escrita do Laranja Mecânica, resolveu unir o inglês britânico com o russo, criando o Dialeto Nadsat.
 Para criar o Método Ludovico, Burgess se inspirou no Condicionamento Clássico de Pavlov (um fisiologista russo premiado), onde o método foi desenvolvido em cachorros, com Estímulo e Resposta. (Não vou me aprofundar muito nesse método, mas vou deixá-lo aqui).

Laranja Mecânica: Horrorshow

 O filme é muito marcado por conta da violência exacerbada e não é diferente com o livro. Burgess lamentou que as pessoas lembraram somente da violência do filme. Eu digo que não é o único detalhe que deve ser explorado, mas é o gatilho para a história tenha continuidade. É um ambiente distópico, onde o Estado é totalitário e as pessoas não são protegidas por ele, como o Estado quer que pense. Alex e seus druguis não aceitam obedecer o Estado, simplesmente por serem adolescentes rebeldes.

O que mais chama a atenção (acredito) é o Método Ludovico. Até então, o Estado acreditava que infratores não tinham solução alguma e não havia reabilitação que os desenvolvessem para que pudessem retornar à sociedade. A violência na história é completamente gratuita, tanto de Alex quanto do Estado. O governo recrutava jovens violentos para que pudessem ficar do seu lado, maltratando pessoas nas prisões e fora delas. Embora seja um método interessante, fica claro que ele traz traumas, somente. Burgess era uma pessoa que defendia o livre arbítrio, onde o Estado não tem o direito de modificar as escolhas de um indivíduo, mas era contra a violência gratuita.
 Nessa história, temos os dois anti-heróis, onde não dá para escolher um lado. O livro trás um sentimento de repulsa pela violência de Alex e a violência do governo. Por vezes, fica-se de um lado ou de outro. É um magnífico exemplo de que violência gera violência. Não é uma história com momentos de gentileza ou altruísmos (exceto pelo capelão, que parecia ser uma imagem de Burgess, questionando o método e o controle do livre arbítrio e algumas formas de tratamento dos médicos antes de iniciar-se o tratamento de Alex, mas que não é nada mais que um modo de manipulação).
 Essa distopia é um futuro que muitos governos já tiveram e que, possivelmente, podem voltar a passar: O alto índice de violência, os jovens que não possuem interesse nos estudos nem são incentivados, a negligência do Estado para a situação da população e o controle da violência somente quando é uma ameaça ao governo. Vive-se uma intensa alienação do que realmente ocorre e que as pessoas poderiam viver muito melhor.

Nosso drugui Alex

Quis falar mais sobre a personalidade de Alex, afinal, ele quem conta a história.

Alex é um maltchik difícil de lidar. Seu papa e sua mama não têm controle sobre suas ações, o que dá a entender que ele é uma pessoa mimada. Tudo se resume ao que ele quer e como o mundo deve ver
ele. Não tem como saber sobre a sua infância e como ele cresceu tendo esse tipo de comportamento mais velho, mas é um tchelovek narcisista. Ele é um exemplo de alienação fruto do governo totalitário. Mas não é aquela alienação que faz com que o tchelovek acredite que o governo é bom, mas que simplesmente não se interessa por ele. Ele acredita ser uma pessoa de QI acima da média - por isso ouve tanto o tal Ludwig Van (Beethoven). Ninguém mais consegue entender a graça e a genialidade de seu Bog.
 O Método Ludovico só funcionou para duas coisas em Alex:

1. Ele é humano, portanto, pode sofrer traumas e sofrimentos; 
2. Não funciona em Transtornos Antissociais.

 Alex não é uma pessoa comum com empatia. A dor do outro não o incomoda, mas é um prazer imensurável. Eu não sei até onde Burgess estudou sobre patologias (se estudou ou até mesmo se era esse o objetivo da história), mas fica muito claro que ele tem alguma sociopatia ou psicopatia forte. Os traumas que ele teve após o tratamento funcionaram porque atingiram a ele, somente. Ele não quer cometer ultraviolência novamente, pois isso atinge a ele. Toda vez que pensasse em algo do tipo, tinha enjoos. Conforme cresce, esse desinteresse imaturo começa a desaparecer. Não que ele estivesse curado de seu narcisismo, mas não é mais um prazer. Ele continua sendo uma pessoa ruim.

 A forma que Alex conversa com o leitor é como se você fosse um amigo próximo dele e que entenderia tudo o que ele estivesse dizendo. Imagine-se no Lactobar Korova, tomando um leite-com e ouvindo sua história, cheia de onomatopéias e nadsat. É um pouco difícil no começo compreender o que ele diz mas, com o tempo, você pode até conseguir decorar as gírias (eu consegui!). 

Eu coloco Laranja Mecânica como um dos melhores livros que já. Na verdade, eu gostei tanto que queria que houvesse mais uma edição para entender mais sobre a vida de Alex e sobre o Estado. É uma obra-prima muito simples, mas com imensa originalidade. 

Dica de leitura e fontes sobre a adolescência:

Adolescência através dos séculos

Entrevista com Anthony Burgess para o Paris Review - 1973 (LEG/PT-BR)